Lenda do nascimento de Lugh

terça-feira, 11 de setembro de 2012

  Hoje veremos a lenda do nascimento de Lugh e porque desde antes de seu nascimento ele já tinha uma grande importância. Acompanhem o Texto e saibam como Lugh nasceu:

 Conta-se que os Fomore sempre existiram na Irlanda. Contemporâneos da terra, nasceram com a terra, e ali habitaram desde que o mundo passou a existir. Já a Irlanda existia, também os Fomore existiam. E só ali? Não sabemos, o que sabemos é que estavam ali. Eram enormes e deformados. Alguns tinham cabeça de cavalo, bode ou touro; outros tinham apenas um braço ou uma perna. Divindades escuras, portadoras dos poderes do mal e das trevas, filhos da escuridão e do abismo do mar, do caos e da noite. Uma raça cruel e violenta.
O mais terrível deles era Balor, cujo pai tinha cara de boi. Mas o que distinguia Balor era seu olho, temível olho, possuidor de um poder maligno capaz de matar quem se visse sob sua mira. Não foi a natureza de sua raça que o dotou desse olho mágico destruidor. Foi sua extrema curiosidade. Certo dia as feiticeiras de seu pai preparavam uma poção mágica. Saía do caldeirão fervente uma fumaça espessa de natureza mortal. Balor olhou bisbilhoteiro pela janela. A fumaça o atingiu e impregnou de sua força maligna um de seus olhos. Desde então adquiriu a capacidade de matar e transformar em pedra todo ser vivo a quem olhasse. Nem deus nem gigante podia escapar ao seu olho maligno. Os Fomore se reuniram para deliberar sobre o seu destino. O principal dilema que os perturbava era o perigo que Balor representava para a própria sobrevivência da raça. Não desejavam matá-lo, e, depois de muito ponderar, encontraram uma solução: Que ele mantenha sempre fechado seu olho mau para nossa própria paz! — disseram enfim apaziguados.
Sim, Balor viveria, decidiram, sob a rígida condição de que ele mantivesse seu olho maligno resguardado sob as pálpebras, de onde nunca podia revelar-se ao mundo nem aos Fomore. E foi assim que, embora tivesse dois olhos, era como se tivesse apenas um. Desde então passou a ser chamado Balor-do-Olho-Maligno.
Nem todos da raça Fomore tinham aparência monstruosa.
Euathan, um de seus chefes, era uma presença magnífica aos olhos, um príncipe da escuridão. Trajava um manto trançado de fios de ouro, preso com um broche também de ouro engastado com uma pedra preciosa que brilhava magnificamente. Sob o manto trazia sempre uma camisa toda em fios de ouro reluzentes. Suas lanças eram de prata engastada em cabo de bronze; sua espada tinha punho e prendedor de ouro.
Seu filho Bress não era menos belo. Nascera de seus amores furtivos com Eri, bela deusa da tribo de Danna, deuses de grande poder mágico que nesse tempo viviam nas cidadelas de Findias, Gorias, Murias e Falias, regiões ocultas onde ninguém podia chegar. Elathan veio secretamente pelo mar, tomou Eri, com ela se deitou e copulou. Ao partir, entregou-lhe um anel dizendo que não o desse a ninguém, salvo àquele em cujo dedo o anel se ajustasse com perfeição. Num futuro ainda distante, o possuidor da jóia viria ao seu encontro, disse e partiu. Cumprido o tempo, Eri deu à luz Bress. Apropriado nome, que significa “belo”. Ele cresceu e de tal modo sua beleza era impressionante, que passaram a dizer: “E um Bress” para referir a todo objeto cuja beleza sensibiliza o olhar. Seja homem, mulher, seja objeto material seja paisagem encantadora aos olhos. Esses deuses então vieram para Erin numa nuvem mágica, e ali passaram a habitar, e ainda hoje na Irlanda tudo que é belo recebe esse elogio nascido desse deus escuro engolfado na poeira da memória.
Entre os muitos dias havidos entre o povo Fomore, chegou aquele em que Balor-do-Olho-Maligno foi empossado rei. Nessa ocasião ouviu uma profecia: “Balor, Balor, o seu neto há de matá-lo!”
Ele procurou a solidão e se retirou para pensar em sua sina. Abriu seu olho maligno, e uma rajada fumarenta queimou o chão onde pisava. Recolheu de volta o olho entre as pálpebras: Aquieta, poção que me encheu de ira e desigualdade entre os meus. Esconde seu vítreo veneno nessa cova onde olho algum pode penetrar. Aquieta, furor! Tenho apenas uma filha, minha Ethlinn. Oh, Ethlinn, você, que era para gerar a minha descendência, está prometida a gerar a minha morte. O destino é impiedoso. Como de mim então nascerá o meu maior inimigo? Hei de desviar o censo dessa maldição!
Entreabriu rápido a pálpebra de seu olho mau, e, antes que dele escapasse a ira de seu veneno mortal, o trancou de volta no seu recinto escuro. Saiu apressado, foi ver a filha pela última vez, e dali foi prescrever suas determinações. Mandou construir uma torre no alto de uma escarpa na Ilha Tory, ali prendeu a filha e a exilou do convívio comum. Convocou doze guardiãs para a vigiar e impedir que os olhos de Ethlinn vissem homem, e mesmo evitar que soubesse que no mundo pudesse haver outro sexo além do seu. Nessa reclusão Ethlinn cresceu e tornou-se mulher de surpreendente beleza.
Aconteceu porém que Kian, da tribo de Danna, tinha ama vaca mágica. Seu leite era tão abundante, que todos a ambicionavam. Para evitar que a roubassem, ele a guardava com estrita vigilância. Kian tinha dois irmãos, um chamava-se Kethen; o outro, Ku, era ferreiro, forjador de armas e artífice dos Danna. Balou ambicionou possuir a vaca mágica de Kian, e vivia espreitando o momento certo para roubá-la.
Balor viu o momento azado quando, espreitando Kian em sua faina, ouviu ele e seu irmão Kethen conversarem sobre as armas que Ku estava forjando para eles. Era preciso, diziam, levar à forja os melhores metais para que o irmão tivesse material adequado a armas invencíveis: Não posso deixar minha vaca à mercê da sorte, irmão, e convém que um de nós fique aqui para guardá-la. Vou eu levá-la e não se afaste daqui por nada, disse Kian.
Estava ali à mão a hora de obter a vaca almejada. Balor apareceu a Kethen sob a forma de um menino. Teceu intrigas dizendo a Kethen que tinha ouvido Kian e Ku planejarem usar o melhor metal para fabricação de suas armas e deixar o metal comum para a arma de Kethen.
Ele ficou furioso, deixou a vaca aos cuidados do falso menino e correu para a forja a fim de frustrar o plano dos irmãos. Constatou que fora enganado. Ao contrário do que tinha ouvido, Kian e Ku trabalhavam no melhor metal para a fabricação de sua arma, e nada havia neles que denunciasse a mínima intenção de fraude.
Kian, ao vê-lo ali em hora tão inoportuna, quis saber o que tinha sucedido a Kethen para abandonar sua vaca preciosa e ir ao encalço deles. Ele lhe contou tudo, cabisbaixo e envergonhado. Agora a coisa estava perdida, pois tinha deixado o menino mentiroso tomando conta da vaca. Kian levou as mãos à cabeça: Você foi leviano, irmão, certamente era Balor disfarçado. Ele levou minha vaca para a ilha Tory. Isso é irremediável, mas hei de me vingar.
Kian foi imediatamente buscar o conselho de Biroge, o druida:
Meu querido Kian, Balor pensa que pode reverter a ação do destino. Doze guardiãs vigiam sua filha em uma torre isolada para impedir que ela conheça homem. Não será difícil transpor essa vigilância. Ouça o que digo e me siga.
Biroge transmutou a aparência de Kian e, por antes mágicas, o levou transvertido de mulher através do mar. Chegaram à torre e se apresentaram para as guardiãs de Ethlinn como duas mulheres que tinham se lançado ao mar para fugir de raptores. Não sabiam onde estavam e pediram abrigo. Foram recebidas. Biroge encantou as guardiãs, de modo que ficassem em estado de dormência. Outro encantamento trouxe de volta pana Kian suas formas masculinas, fê-lo belo e desejável para uma moça que nunca tinha visto homem e o conduziu a jovem Ethlinn. Ela olhou admirada aquela figura masculina, e Biroge, com um vibrar de sua vara mágica, fez aflorar na jovem o desejo natural da vida que deseja criar vida. Como se há muito esperasse a vinda de um homem, Ethlinn recebeu aquele moço como a um deus, e o amou. Passaram toda a noite juntos no intimo entrelaçamento de seus corpos, ambos entregues ao amor, ele para vingar-se de Balon; ela porque sentia brotar no corpo todo o fervor de sua fertilidade feminil. Amaram-se férvidos, e, desejosos de reter o gozo do amor, Kian a atravessou com o fogo de seu Órgão viril nove vezes. Ao amanhecer, Biroge e Kian desapareceram subitamente do mesmo modo como tinham chegado. As guardiãs ouviram Ethlinn cortar que a noite lhe aparecera uma criatura muito diferente dela; tinha experimentado um entrelaçamento caloroso e delicioso de corpos. Ele a tinha atravessado com um órgão espesso e rijo, macio e aveludado. Ela sentiu que a vida e a morte vibravam nela simultaneamente e uma penetrante sensação de prazer lhe ficou impressa em todo o corpo e sentimentos. Nunca tinha suposto que tais coisas pudessem existir. As guardiãs, ao ouvirem esse rebato, adivinharam tudo e temeram a fúria de Balor. Trataram de convencer Ethlinn de que ela tivera um sonho e nada mais disseram sobre o assunto. Mas no devido tempo, Ethlinn deu à luz três meninos.
A notícia desse acontecimento chegou a Balor. Furioso, principalmente tomado de um temível medo, sentiu que novamente era preciso interpor sua mão para deter o curso dos acontecimentos. O destino teimava e lhe dizia que três crianças nascidas de sua estirpe vinham ao mundo, uma delas, qual das três, destinada a matá-lo? Mandou tirar as três crianças à mãe, levá-las ao profundo mar alto e afogá-las, a todas. Nem uma ficasse.
O homem encarregado dessa ordem tomou as crianças, enrolou-as juntas em um pano cuidadosamente preso com broches e as levou como se carregasse um saco. No momento que começou a deslizar pela enseada, um dos meninos moveu o braço e, por artes de magia, o broche que o prendia aos panos se desprendeu. A criança escorregou e caiu na pequena baia. O homem achou que ela morreria e a deixou para trás. As outras duas foram afogadas de acordo com a ordem de Balor. De volta, o mensageiro deu conta ao seu amo de que tudo fora cumprido, e Balor, contente e apaziguado, moveu seu olho perigoso sob as pálpebras.
O que Balor não podia adivinhar é que a negligência do homem tinha deixado a obra incompleta; o menino abandonado na baía tinha um outro destino entre os deuses Danna; matá-lo a ele, Balor, não passava de circunstância mínima relacionada com uma façanha maior que essa criança recém-nascida, fruto de sua estirpe, estava destinada a realizar. Nem artes mágicas nem bem planejados atentados tirariam a sua vida. Ela viveria e cumpriria o curso prescrito. Biroge, o druida, é quem veio recolher o menino caído na baia e levá-lo ao pai, Kian, que o recebeu contente de ver brotar de sua noite amorosa com Ethlinn aquele fruto continuador do fio de sua raça e estirpe. Consagrou a criança e lhe deu o nome de Lugh. Depois o entregou a Ku, o ferreiro, para criá-lo, ensinar-lhe o próprio oficio e tomá-lo hábil em todos os ofícios e artes.
O menino chegou à adolescência e os Danna o deixaram aos cuidados de Duacha, “O Escuro”, rei da Grande Campina, Terra dos Imortais, Terra da Eterna Felicidade, e ali longe da vista dos povos do mundo de cá viveu imperceptivelmente até tornar-se adulto. Entronado em todas as ciências e habilidades, obteve o conhecimento de tudo. Detinha os atributos solares do poder universal, que lhe davam a posse dos segredos de todas as artes, de toda a força e de todo o saber, conhecedor tanto da medicina terapêutica, quando da música e da poesia. Em breve, o povo da tribo de Danna veria chegar esse deus radiante de luz para coabitar com eles.

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