A Chegada de Lugh

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A Chegada de Lugh

 
Enquanto os Fomore se reuniam em conselho, Nuada celebrava com os deuses em Tara, a capital da tribo de Danna, seu retomo ao trono. Estavam no auge da alegria, quando o porteiro entrou para anunciar que um estranho, vestido como rei, estava nos portões pedindo fosse recebido por Nuada. Tentou despedi—lo, mas o estranho insistia. Apresentou-lhe tal lista de talentos, que ele não teve mais palavras de recusa e vinha ali para anunciar a noticia da chegada desse formidável desconhecido.
Nuada e todos os demais festejaram a noticia: Diz-nos que argumentos ele apresentou em seu favor para ser recebido.
O porteiro desfiou a lista de virtudes que ouvira o desconhecido alardear: Ele é carpinteiro, ferreiro, harpista, poeta e contador de estórias, mágico, médico e um guerreiro renomado tanto por sua destreza e talento quanto por sua força; é artífice perfeito na arte do bronze e, resumindo, disse que sabe tudo que a ciência e o conhecimento podem produzir. É um Ildanna, pois se declara conhecedor de todas as coisas e mestre em todas as artes. Eu lhe disse que tínhamos mestres incomparáveis em todas as artes que ele mencionou. Nosso carpinteiro é o hábil Luchtainé, disse-Ihe; nosso ferreiro é Goibniu, e não ha melhor em toda Erin. Ogma, nosso guerreiro, é o maior dos campeões. Temos excelentes harpistas, poetas e contadores de estórias, inumeráveis mágicos e druidas. Credné é nosso artífice na arte do bronze; Diancecht é nosso médico. Todos possuidores de habilidades imbatíveis, de maneira que não precisamos de mais ninguém.
Ele não desistiu, e disse-me: Se é assim como diz, pergunte ao rei se ele tem um homem em sua corte que reúna sozinho a mestria em todas essas artes. Se ele tem junto de si um homem assim, partirei imediatamente, pois Tara não precisará de mim.
Diante disso, não pude mais interpor recusa, e estou aqui para anunciá-lo.
 Qual é o seu nome, sua estirpe e de onde vem? — perguntou Nuada.
Chama—se Lugh. É filho de Kian, filho de Diancecht, e de Ethlinn, filha de Balor, conforme me declarou.
Nuada mandou trazer seu tabuleiro de xadrez e ordenou ao porteiro que trouxesse Lugh a sua presença.
O jovem entrou. Era belo como o sol, e todos admiraram sua radiância e esplendor. Nuada o convidou a sentar e jogar xadrez com ele. Lugh venceu a partida, e causou a admiração de todos com um inusitado e novo movimento de peças, que nomearam “Cerco de Lugh”.
Nuada, arrebatado de entusiasmo, o convidou para um salão interno e o fez sentar na “Cadeira dos Sábios”, reservada para homens de grande sabedoria.
Ogma, o campeão, demonstrou sua força. Havia ali uma enorme pedra retangular e plana, tão pesada, que para erguê-la eram necessárias quatro parelhas de bois. Ogma a arrastou e a levou para fora das portas. Lugh a arrastou de volta. A pedra era apenas uma parte de outra ainda maior que ficava fora do palácio. Lugh a levantou e a recolocou em seu lugar.
Pediram que ele tocasse harpa. Ele tocou o “som-que-adormece”. O rei e toda a corte adormeceram, e dormiram por vinte e quatro horas seguidas. Então ele tocou o “som-elegiaco” e todos começaram a chorar. Por último tocou o “som-do-regozijo”, e todos exultaram de alegria.
E foi assim que Lugh demonstrou suas imbatíveis habilidades, o poder de sua magia e sua radiância se imprimiu em todos os corações. Nuada, vendo todos esses talentos incomparáveis reunidos em um só deus, quis ter ao pé de si criatura tão valiosa, e o recebeu entre os seus. Tomou conselho com os seus pares e obteve de todos a mesma opinião: Mantenha Lugh na corte e faça-o sentar-se na “Cadeira dos Sábios” ao seu lado, disseram. E assim foi feito. Lugh passou a viver na tribo de Danna e ali ficou como um rei luminoso e mágico, conhecedor de todas as coisas.
Pouco tempo depois, novo acontecimento revolveu o destino da Tribo de Danna. Apesar de Bress ter sido destronado, os Fomore continuavam a reclamar dos Danna o tributo anual. Enviaram seus recolhedores de impostos, 81 ao todo, à Colina de Babr para recolher a taxa extorsiva. Ali os deuses tinham de vir para render submissão a seus pés e pagar o tributo.
Ficaram atônitos quando viram aproximar um grupo de cavaleiros majestosos, montados em belos cavalos e armados magnificamente. Um guerreiro luminoso, alto e belo, o rosto radiante como o sol, os guiava. Vinha montado no magnífico cavalo de Manannan Mac Lir, de Crinas Brilhantes, que cavalgava tanto em terra como no mar, com leveza e tão veloz como o vento. Vestia a cota de maIha de Manannan, cujas malhas nenhuma arma podia penetrar. O seu elmo ostentava três brilhantes reluzentes. Trazia nas mãos a espada poderosa de Manannan, que nunca falhava em seu golpe mortal. Bastava a vista dessa espada para os guerreiros recuarem fraquejados, toda a coragem perdida, aterrorizados diante da potente espada de que, sabiam, não podiam escapar.
Ele parecia o sol alvorecendo a manha. Era o esplendor de seu semblante e fronte que assumia a feição de um sol assim alvorecente, e não podiam olhar seu rosto, tamanho o seu esplendor. Maravilha! Era Lugh, o novo deus-sol que chegava. Ele ergueu-se temível diante dos recolhedores de taxa, e gritou: É assim que esses demônios oprimem o povo de Danna? Avançou contra eles em fúria e matava um após outro. O sangue inundava o chão e já tinha matado setenta e dois quando recolheu a espada na bainha, voltou-se para os nove ainda vivos e disse-lhes: Voltem ao seu rei, narrem o que presenciaram aqui e lhe digam que o Povo de Danna não pagará mais tributos a tribo dos Fomore.
Trêmulos de medo do terrível poder e força de Lugh, partiram para seu reino de mãos vazias e arrasadas. Ali, diante de Balor e de todo o povo, narraram o que lhes tinha acontecido e declararam a mensagem que Lugh enviava ao rei.
Estavam reunidos em assembléia Elathan, o belo; Tethra e Indech, reis dos Fomore; Bress, rei deposto dos Danna; Cethlenn dos dentes curvos; Kethlend, esposa de Balor, e todos os principais guerreiros e druidas dos Fomore. Todos os habitantes do fundo do mar ficaram consternados diante da noticia malfazeja:
Quem é esse guerreiro de quem nunca ouvimos falar? — quis saber Balor, por debaixo de suas pálpebras fervia seu olho mau.
Seus campeões não sabiam dizer sobre Lugh. Kethbend, a rainha, foi quem revelou sua identidade: Sei quem é — disse a esposa de Balor. É o filho de nossa filha Ethlinn. Seu nome é Lugh e o chamam de Ildanna, pois é hábil em todas as artes. Dele falam as profecias que, ao seu aparecimento, não governaremos mais Erin. Nunca mais.
Balor estarreceu: Como pode ser filho de Ethlinn, nossa filha? Reneguei e matei os frutos de seu ventre! E como agora me falam de seu filho! Emergiu então das trevas de sua morte esse neto detestável de minha alma, meu inimigo, a quem chamam o Ildanna!
— disse só para si no silêncio agitado de sua consciência. Estremecia, e seu olho mau dançava convulsionado sob as pálpebras. Não pôde mais deliberar entre os seus. Fugiu da assembléia para aquietar seu olho convulso, pesar e medir bem medido o curso a que levava esse fatídico e inesperado ressurgimento de um inimigo, seu neto, que ele julgava liquidado.
Ah, a morte dos recolhedores de taxas significa que os Danna estão dispostos a nos fazer guerra, declarou Tethra, um de seus reis. O rei Balor embora ausente, entrou a debater ferreamente a questão e ficaram ali remoendo seus temas de guerra, planos e furor contra a tribo de Danna. Que fiquem, pois, engolfados no fervedouro de sua disputa, que assim lhes compraz estar. Nós agora vamos a outra parte.
Vemos que, em Erin, Lugh envia mensagens por todos os lugares da terra, convocando uma assembléia geral de toda a tribo Danna. Kian, filho de Diancecht e pai de Lugh, era um dos portadores dessa mensagem. Ocorreu que ele ia pela campina de Muirthemne, viu três guerreiros armados que se aproximavam. Reconheceu-os. Eram Brian, Ouchar e Iucharba, os três filhos de Turenn, filho de Ogma. Entre eles e Kian, seus irmãos Kethé e Ku, havia uma desavença pessoal. Kian, desacompanhado de seus irmãos, viu que não lhe era conveniente cruzar com aqueles inimigos: Se meus irmãos estivessem comigo poderia lutar, mas sozinho não me convém enfrentá-los. É melhor me ocultar.
Viu ao redor uma manada de porcos pastando na campina. Como deus, tinha a faculdade de mudar de forma. Girou sua vara mágica e se transformou em um porco, juntou-se ao bando na campina e começou a pastar no meio deles.
Ah, pena, os filhos ele Turenn já o tinham visto: O que aconteceu com o guerreiro que vinha em nossa direção há pouco? Perguntou Brian. Não sabemos o que foi feito dele, responderam os outros dois. Vocês não ficaram vigilantes como é preciso em tempo de guerra, disse Brian. Ele se transformou em um daqueles porcos que pastam na campina. Posso mesmo dizer que sei quem é esse guerreiro. É Kian, e vocês sabem que é nosso inimigo.
E uma pena que tenha buscado refúgio entre os porcos, pois pertencem a alguém dos Danna. Não nos é permitido atacá-los, e, mesmo que matemos todos, Kian pode escapar.
Brian novamente reprochou seus irmãos: Vocês são tolos, não conseguem distinguir um animal mágico de um natural. Vou lhes mostrar. Brandiu sua vara mágica, e os transformou em dois caçadores, velozes, assassinos cães, e os instigou contra os porcos.
Os cães mágicos logo encontraram o porco mágico, e o isolaram do bando. Brian atirou a lança e o feriu. O animal ferido correu para eles, e com voz humana gritou: Foi um mau ato esse que vocês praticaram. Sou Kian, filho de Diancecht, e devem me poupar.
Iuchar e Iucharba queriam poupar a vida de Kian, mas o feroz Brian jurou que, ainda que ele retornasse sete vezes à vida, sete vezes o mataria.
Se vai me matar, deixe-me retomar minha forma humana antes, pediu Klan.
Bom grado permito que retome sua forma humana, pois prefiro matar um homem a um porco.
Kian pronunciou a fórmula própria, seus disfarces caíram e ele ressurgiu: Sou um homem e isso o obriga a me poupar, disse.
Não, não obriga, respondeu Brian.
Então, ouçam bem. Será o pior dia de suas vidas, pois o resgate da vida de um porco não é o mesmo da vida de um homem. Se me matarem, digo-lhes, nunca houve nem nunca haverá resgate de sangue mais pesado do que pagarão por mim. Sua armas denunciarão a minha morte e sua autoria, completou.
Mas os filhos de Turenn não quiseram dar-lhe ouvidos. Evitaram as armas e o mataram com pedras e paus. Agrediram Kian atém do que é possível conceder a impiedade. Todo ele transformou-se em um corpo disforme, a pele esfolada, os músculos à mostra e cobertos por uma massa coagulada de sangue. Sepultaram-no e sobre a sepultura empilharam pedras até formar um bloco comprimido. A terra lançou horrorizada o corpo de volta. Voltaram a enterrá-lo. A terra lançou o corpo de volta. Seis vezes o enterraram e seis vezes a terra o devolveu. Só na sétima tentativa obtiveram êxito. Ali o deixaram e partiram para Tara.






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